Senhor Boca Larga - Creepypasta / Histórias de Terror

   Quando eu era criança, minha família nunca ficava no mesmo local por muito tempo. Nós estivemos por mais tempo em uma casa quando eu tinha uns oito anos, e ficamos lá até o dia que fui para a faculdade. A maioria das minhas lembranças são dessa casa, mas há outras lá no fundo que pertencem as várias casas em que vivemos quando eu era mais novo. 
    Essas memórias são sem sentido e não são claras... lembro de estar perseguindo um garoto num quintal na casa que eu morava ou tentando construir uma jangada para flutuar no lago atrás do apartamento que alugamos, e por aí vai.  Mas, tem essas memórias... que eu lembro como se fosse ontem. Sempre fico pensando se essas memórias não foram apenas uns sonhos lúcidos por causa de uma longa gripe que eu tive, mas no fundo do meu peito, eu sei que elas são reais. 
    Nós estávamos vivendo em uma casa num bairro pequeno. Era uma casa muito grande, principalmente para uma família de três pessoas. Tinha uns quartos que eu nem entrei nos meses que moramos lá. Parecia um desperdício de espaço, mas era a única casa disponível no mercado, e pelo menos era a uma hora de distância do trabalho do meu pai. 
    No dia depois que fiz cinco anos acabei ficando com febre. O médico disse que eu tinha mononucleose, o que significava nada de brincadeiras pesadas e que ficaria com febre por pelo menos três semanas. Foi uma época horrível para ficar de cama porque estávamos  empacotando nossas coisas para nos mudarmos (de novo), e a maioria das minhas coisas já estavam empacotadas em caixas, deixando meu quarto vazio e desconfortável. Minha mãe me trazia uns refrigerantes e alguns livros várias vezes por dia. Essas coisas tiveram a função de ser minha forma de entretenimento pelas próximas semanas. O tédio vinha toda vez me atormentar, só esperando o momento certo para me atingir e piorar a minha vida. 
    Eu não me lembro exatamente como tudo começou ou como eu conheci "Sr. Bocalarga". Eu acho que foi tipo... uma semana depois de eu ter sido diagnosticado com aquela doença. Minha primeira lembrança foi ver uma pequena criatura e perguntei se ele tinha um nome. Ele me disse para chamá-lo de Mr. Bocalarga, porque sua boca era larga. Realmente... tudo nele era largo em comparação ao corpo dele: a cabeça, os olhos, orelhas pontudas, mas sua boca era de longe a mais larga. 
    - Você parece um Furby - Eu disse enquanto ele passava as páginas de um dos meus livros. 
     O Sr. Bocalarga me deu um olhar curioso. - Furby? O que é um Furby? - ele perguntou. 
    Eu encolhi os ombros. - Você sabe... o brinquedo. O pequeno robô com grandes orelhas. Você pode criá-lo e dar comida como um bichinho de estimação de verdade.
    - Ah. - Sr. Bocalarga resmungou. - Você não precisa de um desses. Eles não são a mesma coisa que ter amigos de verdade. 
    Eu lembro do Sr. Bocalarga sumindo todas as vezes que minha mãe vinha dar uma olhada em mim. - Eu me escondi debaixo de sua cama - ele explicou posteriormente. - Eu não quero que seus pais me vejam porque estou com medo que eles não deixem brincar juntos de novo.
    Não fizemos muitas coisas nestes primeiros dias. Sr. Bocalarga apenas olhava meus livros, fascinado pelas histórias e pelas figuras. Lá pelo terceiro ou quarto dia que me lembro de o ter conhecido, ele me deu um largo sorriso no rosto. - Eu tenho um novo jogo que podemos jogar - ele disse - Temos que esperar até depois que sua mãe vier te ver, porque ela não pode nos ver jogar. É um jogo secreto. - sussurrou baixinho no meu ouvido essa última frase. 
    Depois que minha mãe deixou mais livros e refrigerante no meu quarto, o Sr. Bocalarga pulou de debaixo da cama e puxou minha mão. - Nós temos que ir no quarto no final do corredor - ele disse. Eu protestei de inicio, pois meus pais tinham me proibido de sair da cama sem a permissão deles, mas Sr. Bocalarga insistiu até eu concordar em ir com ele. 
    O quarto não tinha móveis nem sequer um papel de parede. A única coisa era a janela em frente a porta. Sr. Bocalarga correu pelo quarto e abriu a janela com um puxão muito forte. Então ele me chamou para olhar lá em baixo. 
    Nós estávamos só no segundo andar da casa, mas entendam... a casa era sobre uma colina, e por esse ângulo a queda foi mais longa do que o esperado devido a inclinação. 
    - Eu brinco de fingir aqui em cima - Sr. Bocalarga explicou. - Eu finjo que tem um grande e fofo trampolim embaixo da janela. Se você fingir bem forte você quica de volta para cima bem alto. Eu quero que você tente.
    Eu era um menino de cinco anos de idade e febril, então apenas um pouquinho de ceticismo passou pela minha mente enquanto eu olhava para baixo e considerava a possibilidade. 
    - É uma queda longa... - Eu disse. 
    Mas isso é tudo parte da diversão. Não seria divertido se fosse uma queda curtinha. Se fosse assim você podia muito bem apenas pular de um trampolim normal. 
    Eu brincava com a ideia na minha cabeça, imaginando-me cair através do vento frio para então quicar em algo invisível aos olhos nus de volta no ar e voltar para a janela. Mas o realismo prevaleceu em mim. 
    - Talvez outra hora - eu disse - Eu não sei se tenho imaginação suficiente. Eu poderia me machucar.
    O rosto de Sr. Bocalarga se contorceu em um rugido, mas apenas por uns segundos. A raiva sumiu para dar lugar ao desapontamento. 
    - Se você diz... - ele disse e passou o resto do dia debaixo da minha cama, quieto feito um ratinho. 
    Na manhã seguinte Sr. Bocalarga chegou segurando uma pequena caixa. 
    - Eu quero te ensinar malabarismo - ele disse - Aqui tem algumas coisas que você pode usar para praticar, antes de eu começar a te dar lições. 
    Eu olhei a caixa. Estava cheia de facas. 
    - Meus pais vão me matar! - Eu gritei, horrorizado que o Sr. Bocalarga tinha trazido facas para meu quarto, objetos que meus pais nunca me permitiram tocar - Eles vão me bater e me deixar de castigo por um ano! 
      Sr. Bocalarga franziu a testa. 
    - É divertido fazer malabarismo com isso.  Venha vamos tentar.
    Eu empurrei a caixa para longe. 
    - Não posso. Vou me meter em encrenca. Facas não são seguras para serem jogadas no ar. 
    O franzir de testa de Sr. Bocalarga se transformou em uma cara horrível. Ele pegou a caixa de facas e foi para debaixo da cama, ficou lá o resto do dia. Eu comecei a pensar que ele ficava tempo demais abaixo de mim. 
    Eu comecei a ter problemas para dormir depois disso. Sr. Bocalarga me acordava de vez em quando a noite, dizendo que tinha colocado um trampolim de verdade debaixo da janela, um bem grande, que eu não conseguiria ver porque estava escuro. Eu sempre negava e tentava voltar a dormir, mas Sr. Bocalarga ficava insistindo. Algumas vezes ele ficava ao meu lado até cedinho da manhã, me mandando pular. Ele não era mais tão legal para brincar. 
    Minha mãe entrou no quarto uma manhã e disse que eu tinha permissão para dar uma volta lá fora. Ela pensou que um pouco de ar fresco seria bom para mim, especialmente depois de ficar confinado no meu quarto por tanto tempo. Fiquei animado e botei meus tênis e corri direto para a porta dos fundos, gritando de alegria por sentir de novo o sol no meu rosto. 
    Mas... o Sr. Bocalarga estava esperando por mim. 
    - Eu tenho algo que quero que veja - ele disse. Eu devo ter olhado estranho para ele, pois em seguida ele disse - É seguro, prometo. 
    Eu segui ele até o começo de uma trilha estreita que adentra a floresta atrás da casa. 
    - Esse é um caminho importante - ele explicou - Eu tenho muitos amigos da sua idade. Quando eles estão prontos, eu os levo adentro dessa trilha, para um lugar especial. Você não está pronto ainda, mas um dia, eu espero que esteja.  
    Eu voltei para casa, me perguntando que tipo de lugar poderia estar adentro da trilha. 
   Duas semanas depois de conhecer Sr. Bocalarga as nossas ultimas coisas estavam sendo colocadas em um caminhão de mudança. Eu estaria dentro da cabine daquele caminhão, sentado perto de meu pai por toda longa viagem para nossa casa nova. Eu até pensei em falar para o Sr. Bocalarga que eu estava indo embora, mas mesmo aos cinco anos de idade, eu estava começando a suspeitar que talvez a criatura não tivesse com boas intenções, considerando as coisas que ele já tinha me mandado fazer. Por essa razão, eu decidi manter a partida em segredo. Meu pai e eu estávamos no caminhão as 4 da manhã. Ele esperava chegar lá pela hora do almoço e levava uma carga infinita de café e seis pacotes de bebidas energéticas. Ele parecia mais com um homem que ia correr uma maratona do que iria passar o dia todo sentado em um carro. 
     - Cedo suficiente para você? - ele perguntou. 
    Eu disse que não e encostei minha cabeça contra o vidro, esperando dormir  um pouco. Eu senti a mão de meu pai no meu ombro. 
    - Essa é a última mudança, filho. Eu prometo. Eu sei que tem sido difícil para você, por ter estado tão doente. Assim que papai for promovido nós poderemos sossegar e você poderá fazer amigos. 
    Eu abri meus olhos assim que o carro começou a se mover. Eu vi a silhueta de Sr. Bocalarga na janela do meu quarto. Ele permaneceu de pé sem emoção nenhuma no rosto até que o caminhão pegasse a estrada principal. Ele acenou com a mãozinha pequena, com uma faca na mão. Não acenei de volta. 
    Anos depois, eu voltei lá. O pedaço de terra que tinha sido minha casa estava vazio, exceto pelas colunas... ouvir dizer que a casa tinha queimado uns anos depois que minha família se mudou. Por curiosidade, eu segui a trilha estreita que Sr. Bocalarga tinha me mostrado. Parte de mim esperava que ele pulasse de trás de uma árvore me dando um puta susto, mas eu sentia que Sr. Bocalarga tinha ido embora, de alguma forma amarrado junto com a maldita casa. 
    A trilha terminava em um cemitério da cidade e foi quando eu notei que a maioria dos túmulos pertenciam a crianças.

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